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O desaparecimento das crianças Sodder
Nos Estados Unidos, fazer um passeio até Fayetteville, Virgínia Ocidental é algo inspirador. O caminho é repleto de estradas sinuosas que passam por bosques escuros na Cordilheira dos Apalaches. Perto de uma curva, próximo à comunidade de Hawk's Nest, você pode encontrar um daqueles lugares bizarros que afirma-se ter propriedades estranhas que desafiam a gravidade —só que não— o Mystery Hole. Entrando na própria Fayetteville, você atravessa a impressionante New River Gorge Bridge, uma ponte de aço com 924 metros de extensão.Mas, por 40 anos, os viajantes que chegavam à Fayetteville eram recepcionados por algo muito mais sombrio: um outdoor que retratava as fotos de cinco crianças e o pedido de seus pais, esperançosos por notícias sobre o paradeiros dos filhos.
A explicação oficial sobre o desaparecimento das crianças Sodder — Maurice, Martha, Louis, Jennie e Betty, de 5 a 14 anos — foi de que eles morreram em um incêndio que consumiu a casa da família Sodder na véspera do Natal de 1945. A explicação alternativa apresentada pelos pais, pelas outros filhos dos Sodder que sobreviveram ao incêndio e uma rede ativa de detetives amadores, é de que as crianças foram sequestradas da casa em chamas como forma de vingança à família.
George e Jennie Sodder eram ambos imigrantes italianos, embora apenas George, que imigrou quando tinha 13 anos, tenha passado uma quantidade de tempo significativa em seu país de origem. O casal era um exemplo brilhante do sonho americano; George passou de trabalhdor das ferrovias na Pensilvânia para dono de uma pequena empresa de caminhões de carvão na Virgínia Ocidental. Ele e sua esposa tinham 10 filhos e moravam em uma casa de dois andares, ao norte de Fayetteville, onde muitos imigrantes italianos e seus descendentes haviam se estabelecido.
George era muitas coisas — trabalhador, um homem de família dedicado —, mas ele nunca evitou compartilhar suas crenças. Ele frequentemente discutia sua desaprovação para com o ditador fascista Benito Mussolini, que era visto por alguns italianos da pré-Segunda Guerra Mundial como um modelo de força que tornara a Itália grandiosa novamente. Discussões com outros italo-americanos eram comuns, e a família afirmou que, durante os anos de guerra, George foi alvo de ameaças.
Na véspera de Natal de 1945, a família estava comemorando com nove de seus 10 filhos. A guerra havia acabado, o que significava que o filho mais velho Joe logo voltaria do exército. A filha Marion comprou presentes para os mais novos dos irmãos Sodder com a renda de seu novo emprego.
Por volta de meia-noite e meia, depois das crianças abrirem alguns presentes e irem dormir, o telefone tocou. Jennie(a mãe) ouviu uma voz feminina que perguntou por um nome desconhecido. Houve gargalhadas e som de vidros sendo quebrados ao fundo. Jennie disse que era um engano e desligou. Ao ir dormir ela percebeu que todas as luzes do andar de cima estavam apagadas e que a porta da frente estava destrancada. Ela viu Marion dormindo no sofá na sala de estar, Sylvia, Marion, John e George Jr dormiam no quarto do casal. Jennie assumiu que as outras crianças estavam no andar de cima, em suas camas. Ela apagou as luzes do andar de baixo, fechou as cortinas, trancou a porta e voltou para o quarto.
No meio da noite, por volta de 1 hora da manhã, Jennie Sodder acordou com um estrondo no teto, seguido pelo ruído de algo rolando. Ela voltou a dormir, mas acordou 30 minutos depois com o cheiro de fumaça. Não demorou muito para descobrir que havia um incêndio na caixa de fusíveis no escritório de George. As luzes de Natal ainda cintilavam na sala de estar no andar de baixo, e as crianças supostamente ainda estavam dormindo no sótão.
George, Jennie, Marion, Sylvia de dois anos de idade, e dois dos garotos mais velhos escaparam da casa; Um desses meninos, John Sodder, afirmou inicialmente que ele havia subido as escadas para acordar seus irmãos. Ele mais tarde mudou seu relato, dizendo que ele só havia chamado eles.
O fogo não poderia ter ocorrido em um momento mais desastroso. Era Natal e no meio da noite; a cidade de Fayetteville estava toda fechada. Muitos homens moradores do local ainda estavam no exército, e o departamento de bombeiros estava com pouco pessoal.
Além disso, uma série de infortúnios misteriosos tornaram o resgate impossível. Uma escada alta, que geralmente ficava encostada em uma parede externa da casa, desaparecera. A água no barril de água estava congelada e a linha telefônica estava muda—alguém havia cortado ela. George Sodder tentou dar partida em seus caminhões, para que ele pudesse estacionar abaixo da janela do sótão, subir ao telhado e resgatar as crianças; mas os motores não ligavam, apesar de terem funcionado normalmente no dia anterior. Desesperadamente, George subiu as paredes e quebrou uma janela do sótão, cortando o braço no processo. Ainda assim, ele não conseguiu alcançar o quarto do andar de cima e nem enxergar nada devido à fumaça excessiva.
Sua filha Marion correu para a casa de um vizinho para chamar o Corpo de Bombeiros de Fayetteville, mas o telefone não funcionava.
De coração partido, a família de Sodder observou como sua casa e, —assim como acreditavam—, seus cinco filhos viravam cinzas através da noite.
O corpo de bombeiros não chegou até as oito horas da manhã seguinte. A razão para o atraso? O chefe dos bombeiros de Fayetteville, F. J. Morris, que não conseguia dirigir o caminhão de bombeiros do próprio departamento. Seguiu-se um exame superficial de duas horas, mesmo que as investigações de incêndios muitas vezes durassem dias, ou mesmo semanas. Nenhum osso foi encontrado, e os Sodders foram informados de que seus filhos "deviam" ter queimado completamente. Mais tarde, George Sodder, incapaz de suportar a visão de sua casa arruinada, usou uma escavadeira para enterrar o que ficou abaixo de um metro e meio de terra.
George e Jeannie pensaram que cinco de seus filhos haviam morrido, foram emitidas cinco certidões de óbito pouco antes do ano novo, atribuindo as causas a "fogo ou asfixia".
Nas próximas semanas, os Sodders chegaram a acreditar que seus filhos, de fato, ainda estavam vivos e que foram sequestrados — talvez por membros da máfia, que se ressentiam dos discursos anti-Mussolini de George. Durante a investigação o casal confirmou ter recebido ameaças de dois homens estranhos que os visitavam e diziam que iam queimar sua casa e desaparecer com seus filhos. Um deles era um imigrante italiano que defendia a ideologia de Mussolini.
Os investigadores concluíram que o incêndio foi o resultado de uma fiação defeituosa, apesar de George recentemente ter mandado um eletricista refazer a fiação da casa e a companhia elétrica ter verificado e as luzes de Natal terem continuado enquanto o fogo queimava.
Os Sodders começaram a se lembrar de alguns acontecimentos estranhos antes do incêndio. Houve um desconhecido que apareceu na casa alguns meses antes perguntando sobre o trabalho de transporte de carvão. Ele foi até a parte de trás da casa, apontou para duas caixas de fusíveis separados e disse: "Isso vai causar um incêndio algum dia". Estranho, George pensou, especialmente porque ele tinha acabado de ter a fiação verificada pela companhia de energia elétrica local, que garantiu que estava em boas condições. Ao mesmo tempo, outro homem tentou vender um seguro de vida à família e ficou furioso quando George quis diminuir o valor: "A sua maldita casa vai virar fumaça e seus filhos vão ser destruídos. Você vai pagar pelos comentários sujos que faz sobre Mussolini." George era sincero sobre sua antipatia com o ditador italiano, e ocasionalmente engajava-se em discussões acaloradas com outros membros da comunidade italiana de Fayetteville, mas na época não levou as ameaças do homem a sério. Além disso, pouco antes do Natal, os Sodders notaram um homem estacionado na Highway 21, observando atentamente as crianças mais jovens quando elas voltavam para casa da escola.
Jennie não conseguia entender como cinco crianças poderiam não deixar ossos, carne, nada. Ela realizou uma experiência por conta própria, incendiando ossos de animais como articulações de galinha, costelas de porco e ver se o fogo os consumia. Ela nunca conseguiu reduzir os restos a menos do que uma pilha de ossos carbonizados. Ela sabia que os remanescentes de diversos aparelhos domésticos foram encontrados no porão queimados, ainda identificáveis. Um funcionário de um crematório informou que os ossos que permanecem após a queima dos corpos são queimados por duas horas a 1200-1400 graus para que virem cinzas. Sua casa foi destruída em apenas 45 minutos. Algo não batia.
A coleção de ocorrências bizarras não parava de aumentar. Um homem que fazia o reparo do telefone disse aos Sodders que sua linha pareciam ter sido cortada e não queimada. Eles perceberam que se o fogo tivesse sido elétrico — o resultado da "fiação defeituosa", como o relatório oficial afirmou, então como explicar a luz no piso térreo funcionando normalmente?
Foi então que que denunciaram um homem estranho que havia sido visto furtando a garagem dos Sodder enquanto a casa estava em chamas. Ele roubou a escada e tentou cortar sua linha elétrica, mas, em vez disso, cortou a linha telefônica. Aliás, a escada foi encontrada jogada em um barranco à 75 metros da casa. Por alguma razão estranha—ou até mesmo besta, esse homem nunca foi investigado como suspeito do incêndio. Ele só foi condenado a pagar multas por roubo.
Havia também um motorista de ônibus que viu "bolas de fogo" serem jogados na casa antes do início do incêndio. Esta reivindicação ganhou mais força quando a pequena Sylvia encontrou uma capsula de borracha verde no quintal. Os Sodders mostraram o objeto a um amigo militar que acreditava ser um dispositivo explosivo semelhante a uma bomba de napalm.
Pipocavam relatos de testemunhas. Uma mulher afirmou ter visto as crianças desaparecidas passando de carro enquanto o incêndio ocorria. Outra pessoa disse que serviu café da manhã às crianças na manhã seguinte ao incêndio, em Charleston, cerca de 50 quilômetros à oeste. Na mesma cidade a recepcionista de um hotel viu as fotos das crianças em um jornal e disse ter visto quatro das cinco crianças uma semana após o incêndio. As crianças estavam acompanhadas por duas mulheres e dois homens, todos de origem italiana. Disse ela à polícia:
Eu não me lembro a data exata. No entanto, todos se registraram no hotel e se hospedaram em um quarto grande com várias camas. Eles entraram por volta de meia-noite. Eu tentei conversar com as crianças de uma maneira amigável, mas os homens pareceram hostis e não permitiram que eu falasse com elas. Um dos homens olhou para mim de uma forma hostil, ele se virou e começou a falar rapidamente em italiano. Imediatamente, todo o grupo parou de falar comigo. Eles saíram bem cedo na manhã seguinte.
Em 1947, George e Jennie enviaram uma carta sobre o caso para o Bureau Federal de Investigação (FBI) e receberam uma resposta de J. Edgar Hoover: "Embora eu gostaria de ajudar, a questão parece ser de caráter local e foge da competência investigativa deste departamento". Agentes de Hoover disseram que ajudariam se tivessem a permissão das autoridades locais, mas a polícia de Fayetteville e bombeiros recusaram a oferta.
Em seguida, os Sodders procuraram um detetive particular chamado CC Tinsley, que descobriu que o vendedor de seguros que tinha ameaçado George era membro do júri do legista que considerou a causa do incêndio como "fiação defeituosa". Ele também ouviu uma história curiosa de um ministro sobre F.J. Morris, o chefe dos bombeiros. Embora Morris alegou que não foram encontrados restos mortais, ele supostamente confidenciou que havia descoberto um coração nas cinzas. Ele disse que o escondeu dentro de uma caixa de dinamite e enterrou-o na cena.
Tinsley convenceu Morris para mostrar-lhes o lugar. Juntos, eles encontraram a caixa e a levaram para um agente funerário local, que espetou o coração e concluiu que era fígado bovino, que nunca havia sido exposto ao calor extremo. Logo depois, os Sodders ouviram rumores de que o chefe dos bombeiros havia dito que o conteúdo da caixa não havia sido encontrado no fogo, que ele tinha enterrado o fígado bovino nos escombros na esperança de que a família o encontrasse e parasse a investigação.
Ao longo dos próximos anos, os boatos continuaram a surgir. George viu uma foto de jornal de escolares em Nova York e estava convencido de que um deles era a sua filha Betty. Ele se dirigiu à Manhattan em busca da criança, mas os pais da garota se recusaram a falar com ele. Em agosto de 1949, os Sodders decidiram montar uma nova busca no local do incêndio e trouxe um patologista de Washington DC chamado Oscar B. Hunter. A escavação foi completa, descobrindo vários objetos pequenos: moedas danificadas, um dicionário parcialmente queimado e pedaços de várias vértebras. Hunter enviou os ossos para o Instituto Smithsoniano, que emitiu o seguinte relatório: "Os ossos humanos consistem em quatro vértebras lombares pertencente a um indivíduo. Uma vez que os recessos transversais são fundidos, a idade do indivíduo no momento da morte deveria ter sido 16 ou 17 anos. O limite superior de idade deve ser de cerca de 22 ou 23 anos."
O filho desaparecido mais velho tinha 14 anos de idade na época. Os ossos encontrados mostram maior maturação esquelética do que seria de esperar de um menino de 14 anos de idade, no entanto, é possível, embora não provável, para um menino de 14 anos e meio de idade mostrar 16-17 anos de maturação.
O problema é que as vértebras não mostraram nenhuma evidência de que elas haviam sido expostas ao fogo, segundo o relatório, e "é muito estranho que nenhum outro osso tenha sido encontrado na escavação." Observando que a casa teria queimado por apenas pouco mais de meia hora, ele disse que seria de se esperar encontrar os esqueletos completos dos cinco filhos, em vez de apenas quatro vértebras.
O relatório do Smithsoniano foi solicitado em duas audiências no Capitólio, em Charleston. Ainda assim encerraram o caso e disseram aos Sodders que sua pesquisa era sem esperança. Implacável, George e Jennie ergueram o outdoor ao longo da Route 16 e distribuiu panfletos oferecendo uma recompensa de $ 5.000 por informações que levem à seus filhos. Eles logo aumentaram o montante para $ 10.000.
Chegou uma carta de uma mulher em St. Louis dizendo que a filha mais velha, Martha, estava em um convento. Outra dica veio do Texas, onde um patrono em um bar ouviu uma conversa incriminatória sobre um longo tempo atrás, um incêndio na véspera de Natal na Virgínia Ocidental. Alguém na Flórida afirmou que as crianças foram se hospedar com um parente distante de Jennie.
George viajou o país para investigar cada ligação, sempre voltando para casa sem respostas.
Em 1968, mais de 20 anos depois do incêndio, Jennie foi buscar o correio e encontrou um envelope endereçado somente a ela. Foi postada no Kentucky, mas não tinha endereço de retorno. Dentro havia uma foto de um homem em seus 20 e poucos anos. Em seu outro lado uma nota manuscrita enigmática: "Louis Sodder. Eu amo irmão Frankie. Meninos Ilil. A90132 ou 35". Ela e George não podiam negar a semelhança com seu Louis, que tinha apenas 9 anos na época do incêndio. Os Sodders temiam que a publicação da frase ou da cidade de Kentucky pudessem prejudicar seu filho então atualizaram o outdoor somente com a foto.
Mais uma vez contrataram um detetive particular e o enviaram para Kentucky, mas nunca tiveram notícias dele.
"O tempo está se esgotando para nós", George disse em uma entrevista. "Mas nós só queremos saber. Se eles morreram no fogo, nós queremos ser convencidos. Caso contrário, nós queremos saber o que aconteceu com eles."
George morreu um ano depois, em 1968, ainda esperando por uma resposta. Desde o incêndio, Jennie só usava preto como um sinal de luto e continuou a fazê-lo até sua própria morte em 1989.
Seus filhos e netos continuaram a investigação e chegaram às seguintes conclusões: As crianças foram sequestradas por alguém que conheciam, alguém que entrou pela porta da frente destrancada, disse-lhes sobre o fogo e se ofereceu para levá-los para um lugar seguro. Eles sobreviveram ao incêndio e só não entraram em contato com seus pais durante todos esses anos para protegê-los.
A criança Sodder mais jovem e última sobrevivente, Sylvia, agora uma senhora idosa, não acredita que seus irmãos morreram no incêndio. Ela diz que ainda se lembra da noite de Natal em 1945, quando ela tinha 2 anos e conta a história de sua família com detalhes.
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